A Catedral de Santiago de Compostela custodia as relíquias de um apóstolo do Cristianismo – Tiago. Quem é Santiago o Maior? Como chegou às costas galegas? Como se transformou em padroeiro da Espanha e da cidade? A história e a tradição estão unidas à figura de Santiago, nas suas festas e na rica iconografia do santo peregrino e guerreiro.
A Bíblia refere-se, geralmente, ao Apóstolo Santiago com o nome de Jacobo, procedente do hebraico Ya’akov, que passou ao latim como Iacobus, derivando numa grande diversidade de nomes próprios em diferentes línguas europeias: Jacobo, Iago, Yago, Tiago, Diego, Santiago, Xacobe, Jaime, Jaume, Jacob, Jakob, Jacques, Giacomo e James são só algumas delas. A variante Santiago surgiu como evolução da composição Sanctus Iacobus.
De acordo com a Bíblia, Santiago era filho de Zebedeu e Salomé, e irmão mais velho do apóstolo João. Os Evangelhos referem-se a ele como ‘o Maior’, para diferenciá-lo do outro Apóstolo Santiago (Santiago Alfeu ou Santiago ‘o Menor’).
Algumas interpretações assinalam também que Salomé era irmã de Maria, o qual converte a Santiago e João em primos de Jesus.
Santiago na Hispânia
Segundo a tradição, quando os Apóstolos partiram para predicar a palavra de Jesus pelo mundo fora, Tiago encaminhou os seus passos para a Hispânia. Os Breviarium Apostolorum do séc. VI, os textos de Santo Isidoro no séc.VII e do Beato de Liébana cem anos mais tarde, situam Santiago na Península Ibérica como evangelizador.
Os relatos mais conhecidos são os que se referem as visitas que lhe fez a Virgem em Saragoça e em Muxía para reconfortá-lo quando o ânimo decaía. A aparição em Saragoça teve lugar a Virgem ainda vivia, quando habitava com o Apóstolo João em Éfeso e, tal como narra a história, Maria apareceu sobre um pilar, dando assim lugar à veneração da Virgem do Pilar. Por outro lado, a aparição mariana em Muxía mistura elementos cristãos e pré-cristãos: narra esta lenda que quando Santiago estava a predicar pelo noroeste peninsular, se angustiou muito porque a sua missão evangelizadora tinha pouco sucesso. Enquanto orava na margem do mar viu aparecer uma embarcação de pedra, governada por dois anjos, onde viajava a Virgem Maria. A Virgem animou-o a continuar o seu labor e entregou-lhe uma imagem sua, Santiago ergueu um pequeno altar debaixo de uma rocha para alojá-la.
Muitos anos mais tarde, os habitantes do lugar encontraram a imagem e ali se construíram um santuário, a Igreja da Nossa Senhora da Barca, onde todos os anos em Setembro se juntam numerosos romeiros. A barca de pedra ficou na margem e as suas peças (três pedras que representam a barca, a vela e o timão) dizem ter propriedades milagrosas.
A Morte e a transladação de Santiago
De acordo com os Factos dos Apóstolos, no ano 44, enquanto predicava em Jerusalém, Santiago foi preso por ordem de Herodes Agripa I, que ordenou a sua decapitação. Foi, portanto, o primeiro apóstolo a sofrer martírio.
A tradição narra que Santiago Alfeu (‘o Menor’) pegou na cabeça de Santiago e entregou-a à Virgem Maria para que a custodiara. Hoje esta relíquia conserva-se na Catedral de Santiago em Jerusalém, pertencente ao Patriarcado Arménio. Quanto ao seu corpo, os seus discípulos pegaram nele e partiram de barco para procurar um lugar apropriado para dar-lhe sepultura. Nesta embarcação mágica, que não levava tripulação nem precisava de guia, atravessaram o Mediterrâneo e chegaram às costas atlânticas.
Atracaram no porto de Íria Flávia, nos confins da terra, como na altura era conhecida, onde ficou a barca amarrada a um poste de pedra, o que explica a origem etimológica do nome da vila de Padrão (pedrão). O território estava dominado por uma rainha pagã, a Rainha Lupa. Os discípulos pediram-lhe um carro e uma junta de bois para transportar o corpo de Santiago. Ela, astutamente, enviou-os a um monte próximo onde pastavam rebanhos de touros bravos. Mas em lugar de atacá-los, os touros aproximaram-se docilmente dos discípulos e deixaram que lhe pusessem o jugo. Dizem que a Rainha Lupa, impressionada por este e outros prodígios, se converteu ao cristianismo.
Com o corpo do santo na carroça, os touros começaram a andar sem serem guiados. No lugar onde pararam foi enterrado Santiago. Os discípulos Teodoro e Atanásio ficaram a guardar o sepulcro, e quando morreram foram enterrados junto ao Mestre. O lugar de arcis marmaricis permaneceria esquecido durante vários séculos na espessura do monte Libredão até que Paio, um eremita que habitava esse lugar, viu, numa noite, um resplendor que assinalava o lugar exacto onde o templo ficava. A data do achamento é para certos investigadores 813 e para outros de 820 a 830. Aquele ermitão não tinha a noção de que o seu descobrimento acabaria por ser o gérmen de uma das mais florescentes cidades da Europa medieval, de uma nova Cidade Santa e de uma formosa Catedral que convocaria aos fiéis de toda Europa.
O guerreiro do cavalo branco
O descobrimento do túmulo Apóstolo foi rapidamente comunicado pelo bispo Teodomiro de Iria Flávia ao rei das Astúrias Afonso II, o qual o considerou uma grande descoberta: não só daria origem a uma Cidade Santa no reino das Astúrias, independente de Roma e do Império Carolíngio, capaz de atrair peregrinos, população, conhecimento e comércio, como seria também um factor de aglutinação dos territórios cristãos de da Península contra a invasão do Islão.
A figura de Santiago Mata-mouros, o apóstolo guerreiro, converteu-se num verdadeiro estandarte da Reconquista desde que a 23 de Maio de 844 ‘apareceu’ perante o rei Ramiro I e outros monarcas cristãos montando um cavalo branco e bramindo uma espada para ajudá-los a vencer as tropas de Abderramán II na Batalha de Clavijo.
Os milagres atribuídos ao Apóstolo repetiram-se e as aparições multiplicaram-se, infundindo valor aos guerreiros que em seu nome gritavam: ‘Santiago y cierra España’ finalmente reconquistaram a Espanha em 1492; e propiciando mais e maiores peregrinações de toda Europa em direcção à milagrosa Compostela através dos territórios reconquistados, sulcados pelo Caminho de Santiago.
Santiago patrão de Espanha
Desde o séc. IX os reis da Reconquista reconheceram o apóstolo Santiago como patrão de Espanha, e estabeleceram o Voto de Santiago, que consistia em que as terras libertadas deviam fazer todos os anos uma oferenda obrigatória de bens à Catedral de Santiago, em agradecimento pela intercessão do Apóstolo. As Cortes Espanholas determinaram em 1646 que esse Voto Fosse a oferenda dos reis, príncipes e do arcebispo compostelano à Igreja do Apóstolo continuando a ser assim hoje de modo simbólico, durante a missa solene do Dia de Santiago.
Poucos anos antes, em 1630, o papa Urbano VIII havia declarado o apóstolo Santiago como único patrão de Espanha, contra a opinião de alguns que queriam que Santa Teresa de Jesus também fosse designada co-padroeira.
A figura de Santiago jogou também um papel inspirador na Conquista de América, durante a qual aparecia como um ‘trovão’ transfigurando-se em guerreiro de corcel branco para ajudar na vitória dos cristãos.
Representações de Santiago
A Praça do Obradoiro é um excelente resumo visual das possíveis representações iconográficas que se fizeram de Santiago. Na fachada da Catedral ele é peregrino de capa, chapéu e bordão No Hostal dos Reis Católicos e no Colégio de S. Xerome aparece como apóstolo, mas com referências de símbolos peregrinos. E finalmente no alto do Palácio de Rajoy está representado como guerreiro, montado no seu cavalo branco e junto à famosa Batalha de Clavijo.